quarta-feira, 31 de março de 2010

O que há além da morte?


“Nos últimos meses tive sempre dificuldade em adormecer”, murmurou o velho professor, a voz reduzida a quase um fio. “Punha-me a dar voltas na cama, a pensar no que será a morte, no que será a não-existência. Uma coisa horrível, hem? E todos vamos enfrentar isso, não é?” Fez uma pausa, os olhos perdidos num ponto indefinido do tecto. “Mais cedo ou mais tarde é esse o nosso destino.”

“Lá isso é”, observou Tomás.

“É por isso que eu penso: como será a morte?” Respirou fundo. “Será igual ao que era a não-existência antes do nascimento? Será que a vida começa com um Big Bang e acaba com um Big Crunch?” Torceu os lábios. “Nascemos, crescemos, atingimos o apogeu, definhamos e morremos.” Fitou o filho com intensidade. “Será que é só isso? Será que a vida se resume a isso?”

“O pai pensa muito na morte?”

O velho curvou a boca.

“Penso um pouco, sim. Quem, estando onde eu estou, não pensa? Mas, talvez, mais do que na morte, penso na vida.”

“Em que sentido?”

“Uma vez penso que a vida não tem valor, é uma coisa insignificante. Eu vou morrer e humanidade não sentirá a minha falta. A humanidade irá morrer e o universo não sentirá a sua falta. O universo vai morrer e a eternidade não sentirá a sua falta. Não passamos de uma irrelevância, simples poeira que se perde no tempo.” Inclinou a cabeça. “Mas, outras vezes, penso que, afinal, todos nascemos com uma missão, todos desempenhamos um papel, todos fazemos parte de um grande esquema. Pode ser um papel minúsculo, pode parecer uma missão irrisória, talvez até a consideremos uma vida perdida, mas, feitas as contas, quem sabe se coisa tão minúscula se poderá revelar uma migalha crucial para a concepção do grande bolo cósmico.” Arfou, cansado. “Somos minúsculas borboletas cujo frágil bater de asas tem talvez o estranho poder de gerar longínquas tempestades no universo.”

Tomás ponderou estas palavras. Estendeu o braço e apertou a mão fria do pai.

“O pai acha que alguma vez poderemos desvendar o mistério de tudo?”

“De tudo, o quê?”

“Da vida, da existência, do universo, de Deus. De tudo.”

Manuel suspirou, a fadiga tomando conta do rosto, os olhos a começarem a pesar-lhe.

“O Augusto tinha uma resposta para isso.”

“Qual Augusto? O professor Siza?”

“Sim.”

“E qual era a resposta dele?”

“Era um aforismo de Lao Tzu.” Fez uma pausa, para recuperar o fôlego. “Foi um amigo tibetano que lhe ensinou, há muito tempo.” Fez um esforço para se concentrar. “Deixa cá ver se…”

A enfermeira Berta entrou no quarto.

“Pronto, já chega”, disse ela, agitando os braços. “Parem lá com a conversa. Agora deixem o senhor professor descansar.”

“Um momento”, pediu Tomás. “Que aforismo era esse?”

O pai pigarreou, estreitou os olhos e lembrou-se.

“No fim do silêncio está a resposta”, recitou. “No fim dos nossos dias está a morte. No fim da nossa vida, um novo início.”

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